Em um processo de atualização tecnológica bastante complexo, a transição ao Sistema Brasileiro de TV Digital e destinação da faixa de 700 MHz para o celular foi exitoso também porque o diálogo transparente entre todos os atores esteve sempre presente.
*Leonardo Euler de Morais
Num contexto de instabilidade e de conturbação institucional tal qual o vigente é comum que sobrevenha visão pessimista acerca das perspectivas socioeconômicas. Entretanto, o reconhecimento dos acertos e dos avanços não deve restar prejudicado.
Dentre eles, é digno de nota o processo de transição ao Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), que é de suma importância para o aperfeiçoamento da infraestrutura brasileira dos serviços de radiodifusão e de telecomunicação, ambos indispensáveis à coletividade.
Após anos de planejamento e de preparação, encontra-se em execução a etapa final desse processo que conforma uma das mais importantes políticas setoriais dos últimos anos. Dar-se-á a partir da conclusão definitiva da digitalização dos canais de televisão e do desligamento da transmissão em tecnologia analógica.
A transição tecnológica proporciona ao telespectador significativa melhoria de sua experiência. A TV Digital oferece aos telespectadores mais qualidade de som e de imagem, além de trazer inovações interessantes como suporte à recepção móvel, multiprogramação e interatividade.
Paralelamente, viabiliza a implantação das redes de telefonia móvel-celular 4G/LTE na faixa de 700 MHz, ampliando assim a disponibilidade do chamado Serviço Móvel Pessoal (SMP) e do acesso à Internet em Banda Larga – insumo de infraestrutura essencial para o desenvolvimento socioeconômico de qualquer nação.
A subfaixa de 700 MHz, de excelente qualidade técnica, possibilita a cobertura de áreas extensas com menor número de estações (antenas). Melhores condições de propagação permitem a expansão da banda larga móvel para lugares de menor densidade populacional a um custo menor. Além disso, essa porção do espectro radioelétrico também apresenta melhor desempenho na recepção em ambientes internos. Dessa forma, espera-se melhora das condições de prestação do serviço em locais de intenso adensamento urbano ou de difícil cobertura.
Trata-se, por excelência, de um processo de atualização tecnológica bastante complexo. Além de exigir coordenação e comprometimento de todos os atores envolvidos, trabalhando em colaboração sinérgica, enseja elevada repercussão social sobre a população brasileira.
Neste particular, cabe destacar que, desde o início, especial atenção tem sido atribuída à minimização do impacto da transição tecnológica e à garantia da continuidade do acesso ao conteúdo televisivo por toda a população – em especial, as classes de menor poder aquisitivo, uma vez que a televisão aberta e gratuita é, muitas vezes, sua principal fonte de acesso à informação, cultura e lazer. Seu acesso, portanto, é imprescindível.
Conforme estipulado no certame licitatório promovido pela Anatel e realizado em 2014, que conferiu o direito de uso dessa porção do espectro, coube às proponentes vencedoras o ressarcimento dos custos decorrentes da desocupação da subfaixa de 700 MHz. A “costura” do Edital foi bastante complexa e reveladora da eficiência da administração brasileira do espectro de radiofrequências.
De modo a concentrar e operacionalizar a enorme gama de atividades envolvidas nesse processo de transição e seguindo as orientações do próprio Edital, as proponentes constituíram a Entidade Administradora do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (EAD), associação civil de direito privado e sem fins lucrativos que recebeu aportes das prestadoras que adquiriram o direito de uso do espectro. Aqui cabe especial congratulação àqueles que sustentaram e advogaram pela previsão editalícia de tal entidade. Deveras acertada.
Embora autônoma e independente na execução de suas atividades, a EAD segue os contornos gerais delineados pelo Edital e atua sob as orientações do chamado Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (GIRED), a quem compete disciplinar e fiscalizar o processo de transição, e que congrega representantes da administração pública, das proponentes vencedoras e das associações que representam as entidades de radiodifusão. A estruturação do GIRED revelou-se fundamental.
Nessa esteira, o diálogo entre as partes envolvidas foi de suma importância para o planejamento e a implementação desse processo. Com efeito, o diálogo jamais pode restar em segundo plano sob pena do comprometimento de uma política pública exitosa.
Aliás, é digno de nota que o sucesso da estratégia do edital também está relacionado com a visão de Estado de muitos atores políticos que protagonizaram as diferentes etapas do processo, notadamente dos ministros responsáveis pelas Comunicações, tanto no tempo de concepção quanto na oportunidade de execução da política. O diálogo transparente sempre deve ter, assim, espaço cativo na gestão do espectro radioelétrico.
A experiência brasileira tem chamado a atenção de outros países. Vale saudar a todos os atores, públicos e privados, envolvidos no planejamento e na implementação do modelo concebido. Mas, sobretudo, é uma oportunidade de congratular a população brasileira por esse processo.
Leonardo Euler de Morais é especialista em regulação de telecomunicações, mestre em Economia e membro do Conselho Diretor da Anatel.
Fonte : Tele Síntese