A pandemia do novo coronavírus afetou diretamente os hábitos de consumo de vídeo das pessoas, que passaram a ficar mais tempo em casa. Segundo Melissa Vogel, CEO da Kantar Ibope Media, em abril deste ano a audiência da TV aumentou em quase 16% em relação ao mesmo período de 2019. Além disso, 13 das 20 maiores audiências de TV dos últimos cinco anos foram registradas nos primeiros dias de isolamento – ainda que nos últimos anos houveram coberturas televisivas de importantes eventos, como Copa do Mundo, Olimpíadas e Eleições. A quarentena também impactou os resultados do streaming. De acordo com a executiva, 66% da população passou a consumir mais serviços de VoD gratuitos e 56% de SVoD, isto é, os serviços por assinatura.
Vogel falou no segundo painel do primeiro dia do Brasil Streaming 2020, realizado nesta quinta-feira, 16 de julho, em formato exclusivamente online. O evento é uma organização TELETIME e TELA VIVA.
Mas apesar de intensificado na quarentena, o crescimento do streaming não vem de hoje. Ainda de acordo com pesquisa apresentada pela CEO, o número de assinaturas de serviços de streaming de vídeo tem aumentado constantemente nos últimos anos – mais precisamente, 6,5 vezes de 2014 até 2019. “A curva de crescimento significa mais escolha pro consumidor e concorrência de mercado”, conclui Vogel. Ainda assim, é importante ressaltar que o público, apesar de ser consumidor ativo, não investe em muitas assinaturas diferentes: no Brasil, as pessoas assinam, em média, 1,1 plataformas de streaming cada, enquanto na média global 44% possui duas assinaturas e, 18%, três. “Nesse cenário, os players globais e locais vão em busca do tempo, da atenção e do investimento das pessoas. Conquistar novos assinantes é relevante, mas fidelizar os existentes é o maior desafio. As pessoas ainda não são tão fiéis aos serviços assinados – 8% cancelariam suas assinaturas por motivos como aumento de preço e desinteresse pelo catálogo”, pontuou a CEO.
Os problemas que os usuários enxergam dentro desses serviços também foram alvo de análise da Kantar. A pesquisa apontou que, apesar do consumidor gostar da função de busca existente dentro das plataformas (85% usa esse buscador para encontrar novos conteúdos e 46% o faz a fim de assistir reprises de seus programas favoritos), ele acredita que essa experiência possa ser melhorada: 50% afirma passar muito tempo procurando conteúdos e 37% acha que as recomendações oferecidas pela própria plataforma não são interessantes – a título de comparação, 70% confia mais nas recomendações de amigos e familiares para decidir o que assistir do que nas do próprio serviço. “A tomada de decisão sobre qual conteúdo ver acontece no entorno das plataformas – nas redes sociais, por exemplo. Por isso digo que o consumo de vídeo é um hábito social. A conclusão é que os algoritmos têm limitações. Precisamos entender o que atrai a audiência além de seus padrões de consumo dentro dos serviços”, afirma a executiva.
Ainda assim, as previsões são positivas. Vogel declara que o aumento de consumo de assinatura de serviços de streaming deve se intensificar ainda mais no cenário pós-pandemia. E em relação ao tipo de conteúdo consumido, é impossível não falar de vídeo na quarentena e não lembrar das lives. Segundo o estudo, 75% das pessoas começaram a assistir lives a partir do início da quarentena e 51% mantém o hábito para poder interagir com os amigos. Trata-se de um terreno fértil para as marcas – 60 dos 64 eventos avaliados pela pesquisa tiveram algum tipo de exposição de marca – e de um mercado que deve continuar em ascensão nos próximos meses.
Gustavo Fonseca, vice-presidente de distribuição e estratégia da Sky, assume as críticas levantadas pelos consumidores na pesquisa da Kantar. “Faz sentido as pessoas ainda estarem insatisfeitas com as recomendações porque estamos todos aprendendo. Nosso desafio é descobrir o que as pessoas querem ver naquele momento e, para isso, precisamos conhecer muito bem o cliente e sua jornada de consumo. Quem está nessa indústria de distribuição de conteúdo tem que aprender o que o cliente espera ver e ir se adaptando. Nós, dentro das operadoras, conhecemos muito bem nossos clientes e os hábitos deles dentro do nosso ambiente – mas só dentro do nosso ambiente. Obviamente, existe muito mais produção de vídeo para além do que está ali. Dito isso, temos que entender o hábito desse consumidor em outros lugares. Para o futuro, enxergo a necessidade de aprendermos umas com as outras (plataformas)”, disse Fonseca.
Dentro dessa questão do “caçar algo para assistir”, o especialista Omarson Costa faz uma reflexão: quando ligamos a TV, sempre terá alguma coisa passando. Ou então você vai logo para o seu canal “de sempre”, aquele que mais gosta de acompanhar. No streaming, isso não existe. “Você obrigatoriamente precisa procurar por algum conteúdo”, explica. “Além disso, na TV, se não gostamos do que estamos vendo, é só mudar de canal – é fácil, fazemos isso no controle remoto, clicando para cima ou para baixo. No streaming isso já é mais complexo, você não sai fácil de uma plataforma para outra – aí muda app, login, interface. Para consumir streaming precisa aprender a mexer no serviço; para ver TV, não. A TV também não tem causado ansiedade de busca e nem joga aquele catálogo tão extenso na nossa frente”, completa. A solução para o problema que ele aponta seria, provavelmente, a presença de um agregador – função esta que a Sky tenta assumir. Como representante da operadora, Fonseca declara: “Os clientes terão sempre dificuldade em escolher entre opções que não conhecem. Em classes sociais mais altas, o número de assinaturas mantidas não faz tanta diferença no orçamento mensal. Já entre as classes mais baixas, isso faz, sim. Por isso precisa tanto existir uma figura agregadora que tente montar pacotes atraentes e com valor de serviço. É o que a gente tenta ser na Sky – hoje, nos vemos muito mais como um shopping center, e não uma loja”.
Costa acredita não só na existência de um único marketplace de conteúdos por streaming em breve – mas sim de vários deles. “Não dá para ter um controle remoto com todos os aplicativos – isso não é nem visualmente agradável. E essa questão do marketplace tem muito mais a ver com tecnologia e interface, e não necessariamente com oferta de conteúdo. É pela praticidade”, aponta. O especialista faz uma outra observação: “O excesso de ofertas esbarra em quanto o consumidor pode e quer pagar. A classe AAA, que assina cinco ou seis serviços diferentes, não é a realidade do Brasil. A maioria das pessoas tem um valor fechado mensal destinado a entretenimento – e dentro disso, vale lembrar que o streaming traz uma capacidade de cancelar muito simples. Por exemplo: se neste mês estreia uma série que quero ver em determinada plataforma, eu posso assiná-la e, no mês seguinte, cancelar. Mesmo que você não mude de orçamento e trabalhe com o mesmo valor, pode ir trocando de aplicativos. Isso muda completamente a régua de relacionamento. É uma habilidade de entrar e sair que a TV a cabo não tem e que é um grande diferencial entre Pay TV e streaming”.
Modelos de rentabilização
Falando na questão financeira, o debate chega ao tema “publicidade” – ponto este que é defendido por Melissa Vogel. “O consumidor está acostumado com publicidade. Para a maioria, faz sentido ter anúncios na medida em que você tem mais oferta de conteúdo. É um modelo seguro e coerente”, opina. De acordo com estudo da Kantar, embora alguns players tenham descartado a publicidade, um modelo híbrido pode ser inevitável para alguns serviços. A CEO diz: “A publicidade continua assumindo várias formas e está se tornando popular à medida que os fornecedores de TV e vídeo procuram encontrar novas fontes de receita. Nesse sentido, cabe pensar em chamadas curtas no início dos programas ou ainda integração da marca com conteúdo”.
Já Omarson Costa é categórico: “O modelo de streaming baseado em assinatura já está saturado, existe um limite. Não sou otimista diante do modelo que temos hoje. Uma assinatura mensal de R$ 30, R$ 40 não paga esses catálogos. A não ser que o número de assinantes crescesse de forma agressiva. Para mim, o modelo de assinatura não é viável para muitos players”. O especialista acredita em uma “seleção natural” das plataformas de streaming – com algumas morrendo pelo caminho e não necessariamente as precursoras permanecendo. E conclui com um apontamento: “No momento atual, em que muita gente perdeu o emprego por conta da pandemia e a economia encontra-se em um momento de recessão, o importante é ser barato. Não dá para falar só em valor agregado com o consumidor sem oferecer a ele um preço atraente. Acredito em um equilíbrio – nem totalmente grátis, como YouTube, e nem totalmente pago, como Netflix. Diferentes opções de pacote pode ser um caminho”.
Fonte: Telaviva